Esta história começa numa bela tarde de sábado quando quatro amigos bebiam cerveja sentados no meio fio da calçada da esquina mais movimentada da pacata cidade onde moravam. Entre um gole de cerveja e uma olhadela para as mulheres que por ali transitavam, Paulo diz aos amigos: tive uma grande idéia. Vamos fazer uma pescaria. Mas não por aqui.

- O que disse Paulo? Retruca Carlos meio embriagado.

- Uma pescaria. Repetiu e completou. Mas uma pescaria com muitas mulheres.

- Acho que temos de tirar as bebidas do Paulo, pessoal. Onde já se viu levar mulheres numa pescaria.

Riram e continuaram bebendo, sem muita atenção às palavras do amigo.
Como Paulo insistia na pescaria, resolveram combinar.

- Para onde vamos? Perguntou Carlos.

- Para o Mato Grosso, pescar dourados. Podemos alugar um ônibus. Tenho um amigo que tem um para alugar. E é baratinho.

Resolveram, então que iriam, mas teriam que levar as esposas para evitar problemas domésticos. E assim fizeram. No mês seguinte estavam os quatro e as respectivas esposas a caminho do Mato Grosso para a pescaria. A viagem foi muito divertida e cheia de bebidas. Todos estavam muito felizes, apesar de mal acomodados na perua que conseguiram alugar do amigo de que Paulo falara naquele sábado. Os homens foram de fato com o intuito de pescar, obviamente que as mulheres tinham outras intenções. Mas todos estavam de acordo e as coisas fluíam normalmente.

        A primeira experiência à beira do rio foi bem melhor do que eles esperavam. Trouxeram a cesta cheia de peixes, cada um maior que o outro.

- Viram? Não falei que ia ser boa a pescaria? Diz Paulo.

- É, o problema é limpar estes peixes para levar. Diz a mulher de Carlos.

Ainda que contra vontade os homens foram para a pia limpar os peixes, enquanto as mulheres passeavam pelas redondezas da pousada onde estavam acomodados. O almoço foi muito bom regado a boa cachaça que uma das mulheres trouxe do passeio.

        No dia seguinte, foram todos para a beira do rio e fizeram o almoço ali mesmo. E assim foi a semana terminado e a hora de voltar foi chegando. Eles tinham concordado voltar no sábado para dar tempo de recuperar as energias e trabalharem na segunda-feira seguinte normalmente.

        Sexta pela manha, já sem muita vontade de pescar e com muitos peixes para embalar pra viagem de volta, Paulo diz: alguém me acompanha hoje na última pescaria aqui?
Ninguém respondeu, pois ainda estavam adormecidos. Talvez por causa da ressaca. Mas Paulo novamente perguntou, desta vez na mesa do café.
Paulo e Carlos foram para a pescaria enquanto que os demais ficaram em casa com outras propostas para aproveitar o último dia de estadia no local. Por azar naquele dia os peixes estavam todos em greve e após três horas de tentativas ainda nada de peixe na cesta.

- É Paulo deveríamos ter ficado com os outros e aproveitar o dia na pousada. Parece que os peixes estão de folga hoje. Diz Carlos. Sem responder, Carlos diz: Estou com dor de barriga. Me dá um minuto que vou atrás daquela árvore pra aliviar.

- Leve papel, disse Paulo e cuidado com os bichos.

Carlos desceu as calças para fazer sua necessidade e seu relógio de bolso caiu. Como a vontade era grande ele pegou o relógio e colocou dependurado num galho de um arbusto para não perder tempo. Estava terminado de defecar quando Paulo grita:
Carlos, socorro, me ajuda aqui.
Desesperado para ajudar o amigo que estava em perigo, Carlos levanta as calças e corre para ver o que acontecera e deixa o relógio no arbusto.

- O que foi Paulo? Caiu no rio?

- Não, Carlos. Peguei um dos grandes. Ajuda-me a tira-lo do rio. Este vai ficar pra história.

De fato o dourado era grande. Paulo estimou que tinha uns trinta quilos. Carlos diz: Não tem muito mais. Vou pegar a máquina. Temos que tirar uma foto. Que maravilha!

Foi uma festa quando retornaram à pousada com aquele baita peixão. Ninguém tinha visto nada igual. Foram mostrar pra todos da pousada e em meio aquela euforia alguém diz:
Que pena! Pena que vocês não vão poder levar. Não passa na fronteira. Só é permitido levar cinqüenta quilos de pescado e só esse aí tem uns quarenta quilos.
A expressão dos dois pescadores sortudos mudou. Paulo disse: não pode ser.

É verdade?

Sim. Confirmou a pessoa que falara.


Acabaram vendendo o peixe para o dono da pousada e foram arrumar as malas para a viagem de volta.
Ainda bem que tirei a foto. Ninguém iria acreditar em mim se eu contasse sem uma prova.

        Foram dois dias até chegarem de volta em suas casas. A recepção feita pelos parentes e amigos foi muito alegre. Prepararam um big churrasco de peixes para oferecer a todos os presentes enquanto contavam as histórias da viagem. Foi durante o churrasco que Carlos disse: Puxa estou com dor de barriga. Vou ao banheiro.
Ele dá dois passos e volta assustado.

- Puta que pariu. Diz Carlos

- O que foi? Alguém comenta.

- Esqueci.

- Do que? Esqueceu do que?

- Meu relógio de estimação ficou lá. Foi meu pai que me deu. E começou chorar.

- Não fique assim, Carlos. Ele nem funcionava direito.

- Mas era de estimação. Como pude esquecer?

A festa foi encurtada. O pessoal foi saindo e Carlos ficou sendo consolado pela esposa que insistia em dizer que o relógio já era velho e que já não funcionava direito.

        Foram aproximadamente doze anos depois daquele dia e Carlos toda vez que se reunia com os amigos falava do relógio. O casal tinha agora mais dois filhos. Os amigos já não mais se encontravam na calçada da esquina pra beber cerveja. O tempo passara muito rapidamente.

- Há cinco anos não vejo o Paulo. Como será que ele está? Disse Carlos pra esposa que fazia o jantar.

- Será que ele vai voltar ao Brasil algum dia? Comenta a esposa.

- Não sei não. Talvez ele fique no Japão até morrer. Lá ele deve ganhar muito bem. Senão já teria voltado.
Enquanto jantavam, relembravam as coisas que aconteceram na pescaria do Mato Grosso. Nisso o telefone toca.

- Vou atender diz Carlos

- Deixa que eu atenda. Deve ser o Juninho.

Não era o Juninho. Era Paulo que estava na cidade. Havia retornado do Japão. Paulo e Carlos trocaram muitas palavras pelo telefone e como não podia deixar de acontecer, marcaram um churrasco na casa de Paulo para o próximo domingo.
        Chegou domingo.
        O churrasco era na nova casa de Paulo que ele havia comprado com os dólares que trouxe do Japão. Lá pelas tantas a festa estava ainda animada. Os quatro amigos estavam novamente juntos. E de repente Paulo diz: Que tal fazermos outra pescaria como aquela que tivemos no Mato Grosso. Afinal faz tanto tempo que não estamos juntos?

Houve um silencio no momento até que Carlos diz:

- Boa idéia. Mas vamos ao mesmo lugar que fomos naquela vez.

- Por que não? Diz Paulo.

        Os preparativos para a pescaria agora seriam mais complicados, pois todos tinham filhos e a viagem teria que ser bem planejada. Nada que não pudesse ser feito.

Foram, desta vez em um micro-ônibus. As crianças adoraram a idéia de conhecer o lugar onde seus pais estivaram há doze anos atrás e faziam festa com piadas por tudo que acontecia. Chegaram ao local e perceberam que quase nada havia mudado, exceto o dono da pousada que tinha morrido num acidente com um barco de pesca. Foram muito bem recebidos. Paulo percebia uma certa ansiedade em Carlos para iniciar a pescaria logo. Nem bem haviam chegado e ele só falava no peixe que tinham pescado e tiveram que vender antes de voltarem para casa.

        No dia seguinte bem cedinho lá vão eles à pescaria. Carlos fez questão de irem ao local onde pescaram o peixão. Chegando ao local, foram procurar o melhor local para acamparem e de repente Paulo fala:

Escuta! Todos param para ouvir e Paulo diz:
Vocês estão ouvindo um tique-taque?
Todos começam a procurar a origem do som e Carlos diz:
Achei! Achei meu relógio.

Todos olham para uma enorme árvore e ficam estáticos com a visão. O relógio que Carlos esquecera no arbusto há doze anos atrás continuava ali preso no galho daquela enorme árvore e funcionando.

Esta história me foi contada por uma daquelas pessoas que estiveram naquelas pescarias e que me deu garantias de que a história é verídica.